sexta-feira, 4 de junho de 2010

Tem mais de uma Mostra no meio do caminho

Os jornais do dia 15 de março de 1930 anunciavam pela primeira vez: Uma nova empresa - Produções CINÉDIA. Adhemar Gonzaga produzirá vários filmes no Cinearte Estúdio. Ainda nesse ano, falando a Osvaldo Ribeiro, de A Ordem, disse: A minha empresa foi fundada para edificar o verdadeiro cinema brasileiro. Ela foi lançada exclusivamente com o nosso esforço e nossos capitais. Vamos mostrar que podemos criar uma arte nossa, nova e legítima, capaz de transformar o sorriso dos pessimistas num grito de entusiasmo.

A Cinédia, uma das primeiras companhias de cinema do Brasil, com 700 curtas e médias-metragens e 56 longas, acaba de festejar 80 anos e o FAM não podia deixar de se associar à festa, exibindo três filmes e recebendo a pesquisadora, autora de livros sobre cinema e empresária Alice Gonzaga, filha de Adhemar Gonzaga, o idealizador da produtora que marcou o início da industrialização do cinema brasileiro e se dedicou a produzir, sobretudo, os dramas populares e comédias musicais que ficariam conhecidos por chanchadas.

Entre os filmes que o FAM exibirá, teremos a oportunidade de ver ou rever em cópia restaurada o clássico O Ébrio, de 1946, dirigido por Gilda de Abreu e contando com Vicente Celestino no principal papel. Considerado um marco fundamental na evolução do cinema brasileiro, O Ébrio foi o maior sucesso de público da produtora e um dos grandes sucessos populares do cinema nacional, do qual se tiraram mais de 500 cópias.

40 anos depois do nascimento da Cinédia, outra produtora incontornável surgia. Criada por Julio Bressane e Rogério Sganzerla, a Belair realizou sete filmes de longa metragem entre fevereiro e maio de 1970. Mesmo tendo vida curtíssma, ousou marcar a história do cinema brasileiro devido ao uso de uma liberdade sem rédeas aplicada em subverter o convencionalismo dos filmes da época, amordaçados pela ditadura militar. O ponto de partida de nossos filmes deve ser a instabilidade do cinema – como também da nossa sociedade, da nossa estética, dos nossos amores e do nosso sono, afirmava Sganzerla.

Belair é um documentário dirigido por Bruno Safadi – assistente de Júlio Bressane em alguns de seus longas mais recentes e diretor de “Meu nome é Dindi”, exibido no 12º FAM2008 – e Noa Bressane, filha de Júlio. É um justo resgate da memória de algo que a censura interditou e uma afirmação da crença na potência do gesto criador aplicado às imagens em movimento. A transgressão, a rachadura que é a Belair ainda não foi examinada devidamente. Os filmes não chegaram ao público. Continuam numa cortina de silêncio. A Belair é uma lufada de ar novo na atmosfera anestesiada e vacilante do cinema brasileiro, considera Julio Bressane.

Sobre cinema - fazê-lo e pensá-lo - é também o documentário de outra dupla, desta vez Gustavo Beck e Leonardo Luz Ferreira, sobre a diretora e artista belga Chantal Akerman, que vem há mais de quatro décadas construindo uma cinematografia muito peculiar, segundo J. Hoberman comparável em força e originalidade com Godard ou Fassbinder. Chantal Akerman, de cá é uma entrevista sem cortes onde a diretora reflete sobre a sua própria obra, métodos de trabalho, influências e desafios.

Três atrizes brasileiras decidem tentar a sorte em Bollywood, indústria cinematográfica da Índia. Mas, uma vez inseridas no coração da cultura e mitologia indiana, seus sonhos se modificam no contraste entre o oriente e o ocidente, o ancestral e o novo, entre os valores individuais e os coletivos: eis Bollywood Dream - O Sonho Bollywodiano, da diretora paulista Beatriz Seigner. É o seu primeiro longa de ficção e é também a primeira co-produção cinematográfica entre Brasil e Índia.

Para haver contraste tem de haver plural. Para sabermos quem somos, não cansaremos de bater Porta a Porta, premiado na categoria longa digital do Cine PE. Marcelo Brennand, que estará em Florianópolis para a projeção, retrata os bastidores de uma eleição para prefeito no interior do Nordeste.

Para sabermos quem somos, iremos olhar o Rosto no Espelho, onde Renato Tapajós investiga pontos de cultura indígena, afro-brasileira e comunidades carentes para descobrir a importância dos movimentos culturais para a transformação social.

Para sabermos quem somos, vamos No meio do rio, entre as árvores com Jorge Bodanzky, num documentário sobre populações que vivem no Alto Rio Solimões, no Amazonas, realizado, em parte, por elas próprias, com a ajuda da produção do filme.

Para sabermos quem somos, começaremos no sul, com Walachai, que retrata comunidades rurais de origem alemã no Sul do Brasil, que têm uma dinâmica própria e ainda vivem distantes do mundo globalizado, e seguimos caminho para norte: Quebradeiras é um documentário etno-poético sobre as mulheres que quebram coco de babaçu na Amazônia brasileira. Dirigido pelo jornalista e cineasta carioca Evaldo Mocarzel e com produção de Leonardo Mecchi, que produz também Chantal Akerman, de cá, foi premiado nos Encontros de Cinemas da América Latina, em Toulouse, no sul da França.

De sul a norte, por dentro e pela beirada, para sabermos quem somos levantaremos voo com Tamboro, que na língua do povo ingaricó quer dizer "para todos sem exceção". Revelando imagens surpreendentes, o filme percorre todo o Brasil, numa sucessão prodigiosa de planos de uma riqueza visual e sonora raras vezes alcançada. O filme, saído do gênio do recém-falecido Sérgio Bernardes, aborda as principais questões sociais e ambientais do Brasil. Como escreveu Rosa Bernardes, que além de produtora do filme era casada com o diretor, para Sergio Bernardes, a questão não é nem ecológica nem sociológica, mas civilizatória. A dificuldade de pensar o Brasil é não se perder entre uma natureza sagrada e uma sociedade mutante. Temos que estar à altura tanto da sociedade como da natureza brasileiras, saber olhá-las no que elas têm de singular. As imagens do Monte Roraima e dos Lençóis Maranhenses provocam uma estupefação diante do sublime. Palavras não bastam. Como lidar com estes templos de pureza sem tomá-los como meros colírios ecológicos? Como pode um país possuir intocadas estas matrizes originais de um mundo pré-diluviano junto com as mais graves deformações urbanas e sociais? Para além da relevância temática e da profunda atualidade da obra, a forma como Sergio faz cinema rompe as fronteiras da linguagem documental, tradicionalmente assentada em uma ordem do pedagógico-histórica. Em Tamboro, a história do país é contada com uma intensidade independente da narrativa, do envolvimento com a trama*.

Para sabermos quem somos, vamos escutar a plasticidade da nossa fala no documentário de Pedro Caldas, que foi também incluído na programação da 33ª edição do Festival des Films du Monde, de Montreal. Existem repentistas analfabetos que fazem versos que doem até no coração do criminoso, garante o repentista João Quindingues em Versificando. Caldas entrevistou MCs (Thaíde, Kamau, Crioulo Doido), sambistas (Carlão do Peruche, Maurílio e Robson Capela), cururueiros (Dito Carrara, Cido Garoto, Abel Bueno), repentistas (João Quindingues, Sebastião Marinho, Luzivan) e emboladores (Caju e Castanha, Peneira e Sonhador). Como se afirma na sinopse do filme, todas as grandes culturas orais do mundo desenvolveram formas de improvisação poética. No Brasil, das muitas influências étnicas e culturais, isso só poderia ser fonte de uma diversidade sem paralelo.

Se o eu existe em função do outro, é fundamental que saibamos quem é o outro. Para o sabermos e, sabendo-o, sabermos quem somos, vamos ouvir La Voz Mapuche, que luta para manter sua identidade como povo cuja espiritualidade está diretamente vinculada à Natureza e deter a investida das multinacionais, que contaminam seu território ancestral nos dois lados da Cordilheira.

Quando dois terços da produção de minérios do Chile está nas mãos de multinacionais que não pagam impostos no país e o projeto da mineradora canadense Barrick Gold choca ambientalistas ao propor remover glaciais andinos para extrair ouro da mina de Pascua Lama*, La Moneda instiga inquietações acerca da soberania latino-americana e a importância da conservação do meio ambiente, refletindo sobre episódios como a Guerra do Pacífico (Séc. XIX) e o período da Unidade Popular de Salvador Allende, que nacionalizou a extração de cobre no país.

[...]

Ainda na temática dos movimentos sociais, será exibido Tobias 700 (Prestes Maia) - A história de uma ocupação, onde Daniel A. Rubio seguiu por 15 meses o dia-a-dia das pessoas que ocuparam o prédio da Rua Brigadeiro, também em São Paulo, e que 6 anos depois o documentarista reencontra.

Salvo quando estar à margem significa ser pobre, o mais provável é ser minoria. O ser outro e os últimos 30 anos do país num documentário sobre Cláudia Wonder, ativista/atriz/cantora travesti, grande agitadora cultural da cidade de São Paulo. Como nos diz Zé Celso em Meu Amigo Cláudia, Claudia Wonder foi, não, Claudia Wonder é a história dessa cidade…

Do ícone do underground e comunidade LGBTT brasileira para o rei dos desportos de massas, Fútbol Violência S.A. tenta compreender a origem e o presente da violência no futebol argentino, entrevistando profissionais de distintas áreas ligadas ao futebol e pensadores como Eduardo Galeano.

E já que estamos em época de Copa, destaque para a Mostra CINEfoot, que alia a magia do futebol à emoção do cinema. A mostra começa no Sábado com Ernesto no país do futebol (em ano de Copa do mundo, o que poderia ser pior para um garoto argentino do que morar no Brasil?) e Loucos de futebol, um documentário que pretende provar que o futebol é muito mais do que vinte e dois machos correndo atrás de uma bola. O CINEfoot termina na Segunda, exibindo um filme sobre o jogador e cabeleireiro que ficou famoso por jogar no pior time do mundo, Mauro Shampoo, e Geral, uma oportunidade de acompanhar os torcedores conhecidos como Geraldinos em um espetáculo de êxtase, fúria, alegria e dor.

Os cubanos participaram somente de uma Copa do Mundo, em 1938, de má memória para o Brasil, que na semifinal perdeu para a Itália, que viria a consagrar-se campeã mundial. Cuba ficou novamente de fora nesta Copa, mas não fica de fora no FAM da Copa. A Mostra da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Bãnos (EICTV) traz-nos uma seleção dos 12 melhores curtas-metragens produzidos nos últimos 23 anos na escola criada em 1986, que teve como fundadores e padrinhos personalidades como Gabriel García Márquez, Francis Ford Coppola e Robert Redford. Para acompanhar na Quarta e na Quinta.

Vamos assim poder confirmar se os estudantes da EICTV-Cuba aprenderam a lição. E como por aqui o final do semestre se avizinha, poderemos verificar se também os alunos do curso de Cinema da UFSC e da UniSul estudaram a matéria, porque a Mostra Universitária irá exibir alguns dos seus melhores trabalhos.

São estes alguns dos caminhos que se cruzam e que de 11 a 18 vão todos dar ao FAM.



por rafaelmotamiranda

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